Monstros temíveis, causadores de temor em homens e deuses - com o pescoço protegido por escamas de dragão, grandes presas semelhantes às do javali e língua pendente numa boca sempre arreganhada, mãos de bronze e asas de ouro – as Górgonas eram criaturas de uma aparência impressionante. De ambos os lados do largo nariz, os seus olhos cintilantes petrificavam quem quer que os fitasse. As compridas tranças que lha caem sobre os ombros e as costas assemelham-se frequentemente às ondulantes serpentes, que surgem depois na égide de Atena.
Medusa e Pégaso, placa apotropaica de terracota, c. 625-600 a. C., Museu Arqueológico Regional de Siracusa
Dinos do Pintor da Górgona (pormenor), c. 580 a.C, Museu do Louvre
Górgona de bronze, c. 540 a.C.
A esta dinâmica versão de corpo inteiro, o gorgoneion, a face da Górgona representada de frente, com todas as suas características de velocidade, violência e tensão explosiva concentradas na expressão do rosto – versão que ganha especial concretização a partir do momento em que se cristaliza a morte de Medusa e a utilização da sua cabeça como troféu e arma letal. Seja qual for a metamorfose que assuma, a verdade é que as Górgonas foram dos elementos demoníacos mais populares dos princípios da arte grega. De facto, elas parecem ser uma invenção eminentemente grega, embora denunciem uma inspiração parcial em protótipos de génios e deuses Egípcios e Orientais, como Humbaba, Bes e Hathor, por exemplo.
Banquete e gorgoneion, taça de vinho ateniense, século VI a. C.
Na mitologia grega, a Górgonas eram apenas três monstros, Esteno, Euríale e Medusa, todas filhas de Fórcis e Ceto, que habitavam no Extremo Ocidente, próximo do reino dos mortos e do país das Hespérides.
A mais famosa das três, e a única mortal, era Medusa, a quem o corajoso Posídon se uniu e de cuja união surgiram, mais tarde, Crisaor e Pégaso.
Perseu e a Górgona Medusa, métopa em calcário, templo de Selinus, Sicília século VI a.C.
A deusa Atena com a cabeça da Górgona Medusa, ânfora ática de figuras vermelhas, c. 525 a. C.
Inevitável será a comparação com as expressões medievais de faces grotescas, mais ou menos ameaçadoras e quase sempre provocadoras, quase passíveis de delimitação numa série de grupos - mouth-pullers, tongue-stickers, grimacing faces – todos eles carentes de uma correcta versão para um léxico português ainda por estabelecer. A função claramente apotropaica do gorgoneion grego parece ter-se mantido quase inalterada em muitas destas imagens de faces grotescas que proliferaram na arte do ocidente durante toda a época medieval e moderna. A necessidade fundamental de dar expressão aos medos e, simultaneamente, ridicularizá-los e afastá-los – necessidade que faz parte de um padrão comum de comportamento humano perante o medo e o desconhecido – valida a correspondência destas expressões tão díspares no tempo mas tão coerentes na forma como se manifestam.
Expressões grotescas nas misericórdias dos cadeirais de Münster (Ulm) 1469-1474 e Martinikerk (Bolsward) 1480-99.